A cena em que Raj diz a Duda porque não pode se casar com ela é um exemplo muito interessante de como as diferenças culturais possibilitam leituras equivocadas.
Como muitos indianos, Raj estudou na Inglaterra e tornou-se um empresário bem sucedido internacionalmente. Mas é um indiano, como um inglês continuará sendo um inglês, um americano um americano, um brasileiro um brasileiro, ainda que transite com traquejo pelo resto do mundo.
A visão etnocentrista do ocidente faz parecer que uma cultura diferente se "civiliza" quando em contato com a nossa -como se fôssemos o umbigo do mundo. Ledo engano!
O conflito de Raj é ter de optar entre a família e o amor. E essa opção é bem mais complexa dentro da cultura indiana. Optar pelo amor significa, para Raj, ser banido da família e da casta. Um homem sem casta e sem família seria um pária social.
E como não temos nem castas nem a mesma configuração de família, lido pelos parâmetros da nossa cultura não há conflito aí: há cafagestagem. Não se pode supor que um empresário bem sucedido, um homem do mundo, não se case com a mulher que ama porque a família não quer. "A família se conquista depois, nascido o primeiro filho é certo que eles se dobrem. Assim costuma acontecer no Brasil, de modo que são esses os argumentos de Duda.
Quando Raj não cede, ela só pode supor que o motivo do rompimento seja outra mulher. E diz que perdoa, passa a borracha por cima, esquece a traição, desde que continuem juntos. Agora quem se surpreende é Raj: como é possível que possa ser tão fácil pra ela entender a existência de outra mulher na vida dele e não entender a importância de um rompimento com a família?
Eles estão falando de pesos e medidas diferentes. Nos somos individualistas. Nosso objetivo maior é a nossa realização pessoal. Para o indiano, é o equilíbrio do conjunto. Os desejos individuais devem se subordinar sempre a esse equilíbrio.
Por isso Ghandi diz que relutou muito em fazer sua biografia, porque nunca pôde entender que importância poderia ter a vida de um indivíduo.