“Com o mais profundo pesar, cumpro o dever de levar ao conhecimento de V. Exª o lamentável incidente em que foi vitimado o nobre e saudoso Delegado Auxiliar de Polícia deste 2º Termo, cidadão Sólon da Cunha, no dia 6 de maio, sábado às 9 horas da noite. Pelo ofício número 24, aquela autoridade comunicou a V. Exª que iria fazer a diligência para abrir inquérito e prender os culpados da tragédia do dia 21 de abril, da qual foram protagonistas João Muniz Correia Lima, sócio da firma Correia Lima & Cia, seu irmão Francisco Muniz Correia Lima, seu aviado e criminoso impune Antonio Sobralino de Albuquerque, seus fregueses João Ribeiro Pedro Paulo Pessoa (vulgo Pedro Coxo), João Ignácio, José Malaquias, Frutuoso de Tal e mais 28 homens armados de rifles e em balados, cujos nomes ignoro, dos seringais Santa Cruz e Sant’Anna; e Possidonio de Oliveira, sócio da firma Cardoso & Oliveira, João Nogueira e o velho João Baptista Lima, José Candido de Oliveira e Manoel Monteiro, do seringal Mira-Flores, tendo sido assassinados os três primeiros deste seringal, e se evadido os dois últimos. Dos seringais Santa Cruz e Sant’Ana somente consta ter sido ferido, com uma bala no braço esquerdo, perto do ombro, Francisco Muniz Correia Lima. Partindo dessa Vila, no dia 1º deste, às 6 horas da manhã, chegando ao seringal Mira-Flores do rio Jurupary, propriedade de Cardoso & Oliveira, deste 2º Termo e do 7º distrito de polícia no dia 4 às três horas da tarde, acompanhado pelo cabo e duas praças aqui destacadas; aí foram notificados oito homens deste seringal e partimos no dia seguinte a 1 hora da tarde para o local as gravíssimas ocorrências que já aludi. Pernoitamos numa barraca do seringal Mira-Flores, de onde partimos no dia 5 às 8 horas da manhã passando ainda às 10 horas na barraca de “Carneiro”, e às duas horas da tarde passamos na barraca “Maracujá”, pertencente ao seringal Santa Cruz, propriedade dos senhores Correia Lima e Cia., e aí efetuamos a prisão de Mariano e Bernardino de Tal, fregueses da firma, que nos acompanharam até a barraca do Ambrósio, nas proximidades da qual prendemos ainda Luiz de Almeida, que nos acompanhou também. Ao chegarmos à referida barraca fez-se um reconhecimento verificando-se que lá encontravam-se quatro indivíduos preparados para resistir a quem chegasse, pois estavam deitados em suas redes com os rifles ao alcance das mãos. O preso Luiz de Almeida fez ver ao delegado que dois daqueles homens entregavam-se resistindo, porém, outros dois, efetivamente assim aconteceu. Dissera ainda Luiz de Almeida, que tendo morto um nambu e indo deixá-la na barraca aos companheiros, momentos antes de ser preso, os encontrou todos quatro rifles em punho e os quaes lhe disseram: Quando você se aproximar da barraca, faça sinal gritando de longe. Depois de estarmos senhores do terreno, o delegado saiu na frente do terreiro, acompanhado pelo cabo, os dois soldados e os notificados, ficando eu e Luiz Barroso guardando os três presos, entrincheirados na boca de uma estrada de seringueira, a cinco metros de distância da dita barraca, indo o delegado um pouco adiante pediu licença subindo as escadas da barraca, e disse: sou delegado de polícia. Os dois atacaram-no de rifles em punho, tendo o criminoso Francisco Leandro disparado seu rifle no delegado e o projétil atingindo-o nas proximidades do umbigo, do lado direito. Apesar de ferido, Sólon desfechou um tiro no peito do assassino prostando-o e deu ordem de fogo no que foi obedecido, caindo em seguida o outro companheiro que de rifle em punho jurava vingar a morte de Francisco Leandro, o qual chamava-se Bernardino de Tal; os outros dois aproveitaram-se da ocasião e evadiram-se em vertiginosa carreira. Tudo isso não demorou mais que dois minutos. Sendo sabedor por Luiz Almeida, freguês de Correia Lima e Cia., que a uma hora de distância se achava em uma barraca o criminoso Antonio Sobralino de Albuquerque, aviado da dita firma acima, com nove homens armados de rifles esperando qualquer aviso, achei prudente regressar dali em continente para obter socorro para o delegado que estava mortalmente ferido, e fiz partir a toda pressa dois dos notificados, Luiz Barros e Alexandre Albuquerque, para buscar medicamentos no barracão Mira-Flores e gente. Já eram 6 horas da tarde, e receava-se um novo ataque, tratando logo da condução de Sólon, em uma rede que se fez, partindo dali às 6 horas da tarde, e assim andamos em busca da barraca “Revolta”, por um varadouro horrível até 9 horas da noite, hora em que o saudoso delegado fez parar o pessoal e perguntou se estava com a fala mudada dizendo estar quase cego, dando em seguida um longo suspiro disse: aí meu pai! Assim faleceu o nobre e distinto brasileiro Sólon da Cunha, no sagrado cumprimento de seus deveres. Prosseguimos com o cadáver até uma hora da madrugada ora por varadouros, ora por estrada de rodagem. Ali esperamos que o dia amanhecesse. Demos-lhe sepultura nas proximidades da barraca de Carneiro de Tal, freguês da firma Cardoso & Oliveira, do seringal acima citado e de lá regressei a esta Vila, conduzindo Luiz Almeida e mais três testemunhas que presenciaram as ocorrências de 21 de abril passado, bem como cinco rifles, que aprendi à uma hora na barraca “Maracujá” e os quatro últimos na barraca dos “Monteiros”, onde se deram as tristes e lamentáveis ocorrências que acabo de expor. Cumpri-me ainda levar ao conhecimento de V. Exª que o brioso e nobre Sólon da Cunha ao sair desta Vila, para a infeliz diligência, despediu-se de todos dizendo ter certeza de morrer, na mesma, ao ponto de ter deixado cartas para sua noiva e seu irmão; apesar disso sempre alegre, delicado, destemido como bravo, colocando sempre o sagrado cumprimento de seus deveres acima de tudo. Com o desaparecimento do morto ilustre perde-se um dos leais e dedicados servidores, e a “Pátria Brasileira” um moço de honestidade reconhecida e de um caráter puro e sem mancha, virtudes estas que rarissimamente se encontram em nosso País, que chora a falta de homens da fibratura de Sólon da Cunha”.
Saudações Sancho Pinto Ferreira Gomes
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