Quando criei a sinopse de SALVE JORGE e fiz de MORENA sua protagonista, sabia que estava comprando uma polêmica e tanto, porque era a primeira vez, na história das novelas, que uma típica garota classe C, nascida e criada numa favela, com os valores e os hábitos de uma favela, protagonizava. E em horário nobre! Uma ousadia e tanto.
Por isso foi tão importante, para mim, a escolha da atriz que a representasse. E tão feliz a opção pela Nanda Costa. Nanda tinha uma carreira sólida no cinema, alguns prêmios de melhor atriz no Brasil e no exterior, e trazia ainda a vantagem de ser um tipo genuinamente brasileiro e rosto pouco conhecido do público de TV, já tão cansado das repetições que nos, autores, também gostaríamos de poder evitar.
MORENA não é uma garota do subúrbio, um tipo que todos já nos acostumamos a ver desde sempre em todas as novelas. Ela vem do morro. Cresceu no fogo cruzado da policia com os traficantes,aprendendo a viver sempre em guarda,se protegendo de balas que podiam chegar de qualquer lado. Cresceu na batida do funk, no território da sexualidade precoce. Filha de mãe adolescente, foi mãe adolescente também -teve seu filho aos 14 anos, com um namoradinho que conheceu no baile funk. "Filho do fervo", as meninas do Alemão resumiriam.
No seu mundo, tudo é luta. Ela está sempre alerta para se defender, seja da policia, seja dos bandidos, seja dos preconceitos do pessoal do asfalto,onde essas meninas são sempre discriminadas: olhadas com desconfiança e logo associadas a traficantes. Elas sabem disso, elas vivem isso no seu cotidiano. Então precisam de marra pra sobreviver. E não abaixam a cabeça. Enfrentam o preconceito sem se sentirem menores, conscientes de que nao tem culpa de terem nascido num pedaço da cidade que o Estado abandonou e deixou que o crime ocupasse.
Quem representa, em SALVE JORGE, o estranhamento que elas provocam quando convivem com outras classes sediadas no asfalto é dona Aurea, a mãe do capitão THEO. Ela gostaria de MORENA e enxergaria grandes qualidades nela, se nossa personagem tivesse se mantido em seu quadrado. Mas Morena ultrapassou os limites do tolerável quando invadiu o espaço de dona AUREA, interferindo no namoro do capitão com uma moça "à sua altura".
Dona Aurea expressa esse preconceito velado, tão característico nosso: "mas com meu filho, não". Numa versão racista seria aquele célebre "tenho até amigos negros", e na homofóbica "tenho até amigos gays"
Tomara que Salve Jorge suscite nas pessoas essa reflexão: todos enxergam sempre com muita simpatia os moradores das favelas e o fato de que, hoje, tenham acesso a bens de consumo, possam fazer viagens e comprar os mesmos eletrodomésticos que a classe média pode comprar. Mas e quando eles derrubam os muros e chegam pra fazer parte da sua vida?
Essa é a questão que proponho discutir através da personagem MORENA