Agora em julho a chacina de Acari completa 20 anos. E as mães daqueles jovens chacinados ainda lutam em busca de resposta. Nessa foto, a Vera, amiga muito querida, que não está mais entre nos.
Durante muitos anos estivemos juntas, lado a lado, irmãs na dor maior que é a de perder um filho. Eu vi alguma justiça ser feita. Justiça capenga, mas vi: a Vera não viu nenhuma!
Ela teve a filha, Cristiane, assassinada junto com outros jovens da comunidade de Acari, e lutou como lutou Antígona, pelo direito de enterrar seu corpo.Ninguém que leia nos jornais sobre a chacina, poderá supor de quanta garra e de quanta força essa mulher foi capaz. Pobre, doente, ela vivia em romaria, com as outras mães atingidas, cobrando uma investigação que nunca foi levada a termo. Chegaram a cavar, com as próprias mãos, cemitérios clandestinos, quando as autoridades se recusaram a fazê-lo.
Assim são elas, as Mães de Acari.Lembro numa das vezes que vieram jantar aqui em casa, e me contavam, desesperadas, sobre a última descoberta: um sítio onde seus filhos teriam sido atirados aos leões criados ali, de modo a que nada restasse das vítimas
Um dia fui chamada para dar uma palestra sobre violência e mudança de leis para as mulheres que formam o Grupo do Terço, liderado pela Glorinha Severiano Ribeiro. Levei as mães de Acari, para que contassem sua história, e como foi bonito e amoroso o encontro entre aquelas mulheres e as mães da comunidade. Nasceu entre Glorinha e elas um afeto que permanece até hoje.
Essa era a nossa Vera. Se fazia querida onde chegasse. Sábia, generosa, solidária, conquistava a todos com sua fala emocionada e inteligente. Será inesquecivel não só para quem compartilhou de sua luta, mas com certeza para todos os Ministros da Justiça e autoridades que, ao longo desses anos, a receberam muitas vezes em seu gabinete.
Morreu carente de tudo, sem nenhuma assistência do Estado que tanto lhe devia. Ela não lutou por pensões, não lutou por mais nada: só queria enterrar sua filha -e não conseguiu!