trecho de artigo para a Revista de Ciência Criminal

O Assassino Freudiano – Francisco Costa Rocha

 Francisco está na Casa de Custódia e Tratamento “Dr. Arnaldo Amado Ferreira” de Taubaté, um dos estabelecimentos mais antigos do sistema prisional do Estado de São Paulo. Condição de presídio fechado abriga presos em cumprimento de medida de segurança e internos submetidos a tratamento psiquiátrico.

Assassinou duas prostitutas em décadas distintas. Pelo segundo crime, foi condenado a 22 anos e 6 meses de prisão, em um resultado controverso. O veredicto de culpado não foi unânime: 4 jurados votaram sim, 3 votaram não.

Continua preso mesmo depois de ter cumprido sua pena, por estar “despreparado para viver em sociedade”. Pelas leis brasileiras, ele deveria ter sido solto em 1998, mas o Ministério Público requereu uma interdição civil, que o vem mantendo preso. Discute-se se a medida é legal ou não.

A primeira série de entrevistas com Francisco foi uma experiência impressionante. Francisco é inteligente, sagaz e um verdadeiro gentleman. Galanteador e sedutor, ele trata a todos com educação e delicadeza extremas. É difícil acreditar que um homem tão gentil e culto possa ser capaz de assassinar e picar duas mulheres culpadas apenas de estarem no local errado, na hora errada, com a pessoa errada.

Francisco fala corriqueiramente sobre Nietzsche, Sartre e Dostoievski. Sobre Freud e Fraenkel. Costuma fazer um paralelo entre ele mesmo e Raskolnikov, personagem central de Crime e Castigo. Também relata a elaboração que fez de seus crimes usando os conhecimentos que adquiriu sobre a psicologia freudiana e o entendimento de sua via a partir das teorias de Fraenkel. Enquanto a conversa é intelectual, ele parece uma pessoa completamente normal.

Quando começa a discutir seus crimes, tudo fica diferente. Francisco fala sobre eles intelectualmente, despido de qualquer emoção ou remorso. Quando perguntado se sentia algum arrependimento, apressa-se em dizer que sim. Arrepende-se pelo que fez com sua própria vida. Em nenhum momento sente por suas vítimas. Elas eram mulheres da vida que nada valiam; ninguém, segundo ele, chorou por elas.

Joga-se uma espécie de xadrez com Francisco. Elaboram-se estratégias sofisticadas para fazê-lo falar sobre assuntos que ele tem plena consciência que o prejudicam. Acostumado com inúmeras avaliações psiquiátricas e psicológicas que sofreu ao longo da vida e dono de bastante conhecimento intelectual sobre o assunto, sabe com precisão o que seus interlocutores querem ouvir. O problema aqui é que pela primeira vez era pesquisado sem um protocolo científico comum e ele não conseguiu adivinhar o que se esperava dele.

As perguntas mais complexas podem ter respostas incrivelmente simples: Francisco não era um assassino freudiano e sim uma “reedição” de Leonardo da Vinci, segundo suas próprias palavras. Perspicaz, há muitos anos havia percebido que o discurso permanente de que “havia matado simbolicamente a mãe biológica no primeiro crime e a mãe adotiva no segundo” agradava a todos os psiquiatras e psicólogos que o entrevistaram e aplacava a busca por respostas. Quando confrontado com a reconstrução de seu comportamento no momento do crime, passo a passo, observou-se que suas atitudes tinham muito mais a ver com sua curiosidade anatômica e falta de remorso. Flagrado, ele gargalhou assustadoramente, como que pego em uma travessura, e decretou:

– Doutora, a senhora descobriu o meu segredo!

Todos os profissionais saíram dali com muito para refletir sobre o aprendizado destes assassinos em série ao longo de anos de avaliações de suas mentes, e de como podem usar este novo conhecimento em seu próprio benefício. Na busca de explicações que façam sentido para nós mesmos, acabamos induzindo o indivíduo a raciocinar com nossas cabeças. Diante da dificuldade de entender os meandros de mentes psicopáticas, sucumbimos, na maioria das vezes, induzindo-os a nos dar explicações que se encaixem mais facilmente em nossos conhecimentos prévios.

Ilana Casoy

IlanaCasoy

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